sexta-feira, 20 de maio de 2011

Hemoglobina glicada

Boa Noite, pessoal! Hoje vou falar sobre um assunto clinicamente importante no diagnóstico de diabetes, a hemoglobina glicada.


A hemoglobina (veja a figura ao lado) é uma proteína presente nas hemácias, células vermelhas do sangue, responsáveis pelo transporte de gases respiratórios, notadamente o oxigênio. Esse gás liga-se ao ferro presente no grupo prostético heme da hemoglobina. Como toda proteína, a hemoglobina é formada por um conjunto de aminoácidos e apresenta uma conformação nativa, ou seja, uma configuração espacial em que a proteína encontra-se mais estável do ponto de vista termodinâmico, apresentando menor energia livre. Para a hemoglobina, essa configuração equivale a uma molécula composta por quatro subunidades, duas cadeias alfa e duas cadeias beta, em que as cadeias interagem entre si por ligações não covalentes. Essas ligações são mais fortes entre as cadeias de tipos diferentes do que entre as cadeias do mesmo tipo. A hemoglobina em sua forma nativa é designada por HbA.


A glicose (veja a figura ao lado) é considerada um açúcar redutor, uma vez que seu grupo aldeído pode ser oxidado a ácido carboxílico mediante a redução de outro composto com o qual a glicose reage.


A hemoglobina glicada, designada por Hb A1c ou simplesmente por A1c, é formada pela reação entre um açúcar redutor, como a glicose, e o grupo amino terminal do aminoácido valina de uma ou das duas cadeias beta. É necessário destacar que a hemoglobina pode ser glicada em outros aminoácidos que não estão localizados na cadeia beta, porém esse tipo de reação não modifica a carga da molécula da hemoglobina e, portanto, não é detectada nos métodos que se baseiam na diferença de carga da hemoglobina, que são os mais utilizados. Logo, a A1c é a hemoglobina glicada clinicamente importante no que se refere à diabetes e, portanto, o termo hemoglobina glicada refere-se a A1c. A formação da A1c ocorre em duas etapas, descritas abaixo:

HbA pré-A1c (Aldimina ou base de Schiff)
(instável)

Pré-A1c (Aldimina ou base de Schiff) A1c (hemoglobina glicada)
(instável) (estável)

A primeira etapa é rápida e reversível, que consiste na reação reversível entre a glicose e o grupo N-terminal do aminoácido valina da cadeia beta da hemoglobina, produzindo um composto instável denominado Aldimina ou pré- A1c. A segunda etapa, que produz a hemoglobina glicada, é lenta e irreversível, envolvendo uma reação irreversível entre a glicose e o grupo N-terminal do aminoácido valina. Veja a representação da hemoglobina glicada abaixo, em que as cadeias beta estão representadas em azul claro e as cadeias alfa em azul escuro. As moléculas de glicose são representadas por G.
É importante ressaltar a diferença entre glicosilação e glicação, embora esses termos sejam muitas vezes utilizados como sinônimos. A glicosilação é uma reação enzimática, instável e reversível, ao passo que a glicação envolve uma reação não enzimática, estável e irreversível. Logo, o processo total acima descrito é uma glicação. Na prática, porém, usa-se os termos glicação e glicosilação como sinônimos.

Existem vários tipos de hemoglobinas que apresentam uma carga negativa, por estarem ligadas a um açúcar redutor e que migram em direção ao ânodo (pólo positivo) quando submetidas à eletroforese. Essas hemoglobinas são designadas por HbA 1 total (também chamadas de hemoglobinas rápidas, devido a rapidez com que migram em direção ao polo positivo), que contém vários frações, HbA1a1, HbA1a2, HbA1b, HbA1c, entre as quais a que é clinicamente importante em relação a diabetes é a HbA1c. Alguns métodos de análise das hemoglobinas, porém, podem sofrer interferências da Aldimina (pré A1c), que podem superestimar o resultado final da A1c.


Bem, e o que tudo isso tem a ver com diabetes? A glicose, por ser um açúcar redutor, espontaneamente reage com a hemoglobina, produzindo a hemoglobina glicada. Dessa forma, uma quantidade elevada de A1c no sangue indica uma glicemia elevada, ou seja, o nível de hemoglobina glicada é uma possível ferramenta para o diagnóstico de diabetes. Os níveis de A1c considerados normais variam de 4% a 6,0% para pessoas não diabéticas e entre 6 e 6,5% para pessoas com um diabetes bem controlado, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Então, valores acima de 6,5% mostram que há um risco maior de se desenvolverem complicações micro e macrovasculares, renais, oculares e dos nervos periféricos.

A dosagem de hemoglobinas glicadas é considerada um marcador da glicose média do indivíduo. Acompanhe o seguinte raciocínio. A hemoglobina está localizada no interior das hemácias, que tem um tempo médio de vida de 3 a 4 meses. As hemácias são células permeáveis à entrada de glicose. Logo, a glicação da hemoglobina ocorre livremente no interior das hemácias. Logo, o exame reflete os níveis médios de glicose sanguínea dos últimos 2 a 3 meses, que é aproximadamente o tempo de vida das hemácias. Existe, inclusive, uma fórmula, desenvolvida pelo grupo de estudo A1c-Derived Average Glucose (ADAG) utilizada para calcular essa glicemia média:


Glicose média estimada (mg/dL) = 28,7 x A1C – 46,7.


O teste de A1c deve ser realizado duas vezes ao ano para todos os pacientes diabéticos e a cada três meses para pacientes diabéticos que se submeteram a alterações de medicamentos. É importante perceber que, devido ao tempo de vida das hemácias e, consequentemente, da hemoglobina, o exame deve ser realizado de 1 a 2 meses após a mudança de tratamento.


As altas concentrações de glicose no sangue podem ser um indicativo de que estão ocorrendo glicações de outras proteínas. A glicação de outras proteínas pode levar a formação de compostos altamente reativos, denominados AGE´s (advanced glycation end-products, produtos da glicação avançada, em inglês). Esses compostos conduzem a reações irreversíveis entre diferentes moléculas, alterando suas propriedades bioquímicas. É o que ocorre quando ocorrem ligações entre as moléculas de colágeno, que provocam o afilamento dos capilares sanguíneos, produzindo problemas vasculares como hipertensão. Os AGE´s também possuem a capacidade de reter proteínas plasmáticas, como fibrina, albumina e lipoproteínas. Em decorrência disso, podem ocorrer obstrução dos vasos sanguíneos, gerando embolias. Modificações estruturais das proteínas do cristalino estão envolvidas no desenvolvimento da catarata. Essas são apenas algumas das complicações que os AGE´s podem causar. Os produtos finais da glicação avançada serão tratados mais adiante.

Referências:
Bioquímica Básica - Anita Marzocco E Bayardo Baptista-2ª ed.-Editora Guanabara Koogan.

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